*Inspirado em um texto lindo e
corajoso da Duda Buarque
Mas se você foi à manifestação e usa
carteirinha de estudante para ter meia-entrada, mas não é estudante, você é
parte do problema. Você não tem moral para reclamar da corrupção deste país. O
nome disso é hipocrisia.
(Reclame mesmo assim, por favor, porque são
dois problemas diferentes.)
Se você joga bituca de cigarro no chão, você
trata a cidade como o seu lixo particular. Mas a cidade é de todo mundo. As
ruas estão nojentas e a culpa é sua.
A manifestação é contra você.
Ah, você é ciclista, todo orgulhoso de ser
sustentável, um carro a menos, menos trânsito e CO2. Você reclama da opressão
do carro, mais forte, contra a bicicleta, o mais fraco. Mas você não para no
sinal. Não respeita a faixa de pedestres. Você até anda na calçada, tornando-se
o opressor do pedestre.
Não se
iluda: a manifestação é contra você.
Você leva o cachorro para passear e não
recolhe o cocô. Ninguém admite, mas o resultado está aí: nossas calçadas são um
mar de merda. Calçada não é a privada do seu totó.
A
manifestação é contra você.
Você joga papel no chão, e não faltam
desculpas para não fazer o que é certo. Essa merda de prefeitura que não
instala lixeiras, né? Ou, saída de estádio, você toma uma cerveja e joga a lata
por aí. Ah, todo mundo estava jogando. Depois vem o cara limpar. A
responsabilidade não é do Estado. É sua. E você, manifestante, não pode se
esquivar a ela nos outros 364 dias da sua vida.
A manifestação é contra você.
Você não cumprimenta o porteiro. Você exagera
horrivelmente no perfume e invade o nariz do outro. Você dirige bêbado. Você
põe um escapamento superbarulhento na sua moto, que dá para ouvir a quarteirões
de distância, incomoda todo mundo e compra um capacete que ajuda a isolar o
som. Você obriga todo mundo do ônibus a ouvir a sua música. Você suborna o
guarda ou qualquer outro serviço público. Ou ainda, você escreve textos como
este, apontando o dedo contra delitos que já cometeu ou ainda comete, achando
que dedo em riste exime você da responsabilidade.
Você é parte da violência. Você é parte da corrupção.
Se você não mudar, o país não vai mudar.
Mas não adianta todo
mundo apenas demandar que "o poder” conserte as coisas. Quer mudar o país? Não esqueça de mudar a si mesmo, e pagar o preço da
mudança, como um adulto.
Então,
vai pra rua, que estava na hora. Mas não esquece: a manifestação é contra você.
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